“O vento sopra onde quer...” (Jo 3:8).
Sem o
compromisso de uma análise exegética aprofundada, as palavras de Jesus no texto
do evangelista João traduzem a liberdade que há no agir e no manifestar do
Espírito Santo. Uma liberdade tão sonhada e tão desejada, algumas vezes consciente
ou inconsciente, mas real na vida de todas as pessoas, independente do credo ou
da religião.
Todos anseiam
por liberdade! E algumas pessoas parecem ter recebido da parte do próprio Deus a
capacidade de dar significado a essa palavra.
José Comblin
foi uma dessas pessoas, cuja vida de dedicação ao Reino de Deus era pautada na
ânsia de fazer do Evangelho um instrumento transformador de realidades. Algo
que fosse muito além dos simples discursos e homilias, mas que ganhava vida
através das pessoas que eram apresentadas a Ele. Dessa forma a liberdade tão
pregada pelo Evangelho e tão buscada pelo homem e pela mulher ganhava sentidos,
forma e corpo.
José Comblin,
ou simplesmente Padre José para as pessoas que o conheciam, nasceu em Bruxelas,
na Bélgica no ano de 1923, fora ordenado sacerdote católico em 1947 e graduado
como doutor em Teologia pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.
Foi
conquistado pela América Latina desde muito cedo, onde a partir de 1958 começou
a dedicar sua vida como clérigo e também como professor e discipulador. Atuou
em países como o Chile e o Equador, mas foi no Brasil que viveu boa parte dos
seus dias até a chegada da sua morte em 27 de Março de 2011, aos 88 anos.
Com os olhos
sempre voltados à desigualdade social que imperava e ainda impera nesses
países, e com um censo crítico graduado contra a estrutura eclesiástica
existente, Comblin foi um dos maiores expoentes do cenário da Teologia da Libertação, tendo uma
preocupação enfática e prática com a vida e a realidade dos menos abastados.
Neles Comblin
enxergava a ação e a necessidade da verdadeira libertação proposta pelo
Evangelho de Cristo. Para ele os pobres constituíam a verdadeira igreja de Deus
e através deles se manifestava a vocação libertadora do Espírito Santo.
A liberdade
teria, na visão de Comblin, papel fundamental na vida da igreja através do
Espírito Santo. Ele fora duramente um crítico do sistema religioso na qual a
igreja tinha se transformado. A igreja como instituição havia virado as costas
para a ação do Espírito Santo no papel de força motriz da máquina da redenção.
Seu chamado
era o de um evangelho prático, assim como Jesus havia deixado claro que
enviaria seu Espírito à igreja para junto com ela, instituir seu Reino, a
vocação de Comblin se traduzia numa teologia construída no dia a dia, na vida
das pessoas, na caminhada.
Essa
intimidade na qual ele coloca a pessoa do Espírito Santo com o seu povo nos
revela uma maneira inovadora de olhar que nos ajuda a perceber e compreender
essa relação, uma relação que nos tira da inércia, que nos coloca em ação. É a essa
capacidade de se libertar, de se libertar muitas vezes de sí mesmo que Comblin
atribui uma experiência viva, real e íntima com o Espírito Santo.
Recentemente
tivemos no nosso país um acontecimento único e digno de retratar as idéias de
Comblin a respeito da ação transformadora do Espírito. O povo no Brasil não
vivia uma realidade como essa há tempos. Uma geração inteira viveu no silêncio
da repressão, da exploração, da desigualdade social, das roubalheiras
políticas. Todas essas coisas acontecendo, o mal instituído no sistema,
reinando e brincando com a cara do povo numa cômoda impunidade; e a igreja, o
povo de Deus que deveriam ser os atalaias denunciando tanta injustiça, segue vivendo
trancados dentro de seus templos uma espiritualidade surreal e mística.
Comblin
retrata bem isso, não foi de dentro das igrejas que surgiram os primeiros
gritos, não foi através de nenhum eloqüente sermão que se iniciaram as
manifestações, mas foi de um povo cansado de ser explorado que se uniu e
descobriu a força que possuem quando agem juntos. E se Deus é o senhor de todas
as coisas, podemos afirmar que o Seu Espírito move essa nação rumo à liberdade.
Cabe a igreja
acordar e aproveitar essa iniciativa dada pelo Espírito de Deus e agir levando
seu povo a clamar por justiça, a se libertar... Infelizmente não tenho visto
isso acontecer, pelo menos não até o momento em que escrevia esse texto.
Porém o
pensamento de Comblin também nos ensina que não se detêm a ação do Espírito.
Por mais inerte que a igreja possa estar, ainda assim com certeza ela será
usada para trazer grandes testemunhos, vem sendo assim durante toda a sua historia,
querendo Deus, as pedras clamam!!
Em um dos
seus livros Comblin ressalta que as palavras de Jesus iluminadas pelo Espírito
despertam nas pessoas sentimentos e movimentos muitas vezes escondidos, pouco
espetaculares na verdade, mas numa mistura de força e fraqueza que fazem a
igreja mover-se.
Percebo isso
em mim mesmo e na maioria dos colegas de caminhada com quem converso. É como se
nossos pensamentos e expectativas fossem, de certo modo, todas regidas pelo
mesmo maestro, numa sinfonia tocada muitas vezes em tons diferentes, mas com a
mesma melodia. Ainda que cada um, com as suas limitações e medos, não
corresponda ao desejo de conquistas espetaculares que nossos lideres anseiam,
temos dia após dia deixado que esse Espírito realize através de nós pequenas e
simples amostras de libertação.
O vento sopra
onde quer, e sopra como e da maneira que Ele quer. Nas palavras de Comblin,
muito mais do que manifestações carismáticas reduzidas a experiências
sensitivas, mas ativo e atuante em toda a história, fazendo história, mudando a
história.
E no seu
mover traz consigo liberdade, uma liberdade que talvez estejamos tendo a
oportunidade de vislumbrar ainda no nosso tempo.
Por Cristo, Com Cristo e Em Cristo.
Idamar.
Baseado no livro: O Espírito Santo e a Libertação - O Deus que Liberta seu Povo, José Comblin, 1988.